Geração sanduíche: o que é e por que também precisam de cuidados especiais
Especialista explica a importância de dar suporte psicológico, emocional e afetivo aos integrantes dessa faixa da população que se sentem pressionados pelos cuidados que precisam ter com os filhos e pais idosos, somados a vida profissional
A demografia brasileira nas últimas décadas tem passado por movimentos importantes que vem trazendo novos desafios. O aumento da expectativa de vida, que passou de 45 anos na década de 40 para 76 anos em 2020, de acordo com o IBGE, tem dado mais longevidade e pressionado a previdência social, por exemplo.
Do outro lado, além de uma diminuição na natalidade, tem sido cada vez mais comum as mulheres terem filho com um pouco mais de idade. De acordo com as Estatísticas do Registro Civil de 2019, também do IBGE, entre 2008 e 2018 aumentou o número de mães com mais de 30 anos.
No período, cresceram em 26% o número de pessoas que foram mães entre 30 e 34; 56% entre 35 e 39 anos e 36% entre 40 e 44 anos. A tendência de ter filhos com uma idade mais madura é clara, já que o mesmo levantamento mostra uma queda no número de mulheres que tiveram filhos entre 25 e 29 anos (queda de 8%); 20 e 24 anos (-17%) e 15 e 19 anos (-26%).
As novas formatações da sociedade brasileira acabaram criando demandas específicas. O movimento combinado do envelhecimento da população e as mulheres tendo filhos mais tarde criou a chamada “geração sanduíche”, por exemplo. O termo foi concebido pela assistente social Dorothy A. Miller, em 1981, e vem ganhando popularidade no Brasil.
Márcia Sena, especialista em qualidade de vida na terceira idade e fundadora e CEO da Senior Concierge, empresa que pratica um modelo de atenção integrada para dar suporte a pessoas com mais de 60 anos, pontua que o conceito define adultos que estão comprimidos por demandas de filhos – geralmente crianças e adolescentes – e dos pais – normalmente que têm mais de 70 anos.
“Essa é uma realidade que tem se encaixado no panorama de muitas mulheres, que compõem majoritariamente a geração sanduíche. Elas têm filhos que chegaram em uma idade em que precisam que elas tenham muita energia para ajudá-los em diversas áreas e ao mesmo tempo seus pais estão idosos e também precisam de suporte”, explica.
As dores da geração sanduíche
Sena argumenta que a geração sanduíche representa principalmente mulheres que estão na faixa etária de 35 a 60 anos (com uma predominância maior entre 40 e 55 anos). Como os brasileiros estão se aposentando mais tarde, as pessoas nessa faixa demográfica sofrem ainda com pressões diárias no trabalho.
A especialista faz questão de lembrar que as “ensanduichadas” passam por outras questões que afetam as mulheres, como o machismo, pressões sociais que vem de estereótipos de gênero, racismo (no caso de negras), abandono paterno e mais.
“Com todo esse peso nas costas, é muito comum que essas mulheres se sintam culpadas de não ‘dar conta’ de tudo. Então elas se culpam por não ter tempo para cuidar dos pais idosos, sentem que deveriam passar mais tempo com os filhos, sentem que a vida profissional está estagnada e que a vida afetiva está morna”.
Passando por todas essas condições, que afetam principalmente o emocional das mulheres, a geração sanduíche apresenta problemas como:
- Insônia;
- Estresse;
- Obesidade;
- Depressão;
- Irritabilidade;
- Esgotamento;
- Falta de motivação;
- Problemas de memória;
- Problemas afetivos;
- Falta de concentração;
- Imunidade baixa;
- Ansiedade;
- Baixa produtividade no trabalho (causada por todos os sintomas anteriores).
Melhorando a qualidade de vida da geração sanduíche
Sena começou a estudar e se especializar sobre o conceito de geração sanduíche porque ela mesma passou pela experiência de ser uma ensanduichada. Há alguns anos, ela se viu no papel de cuidar da família (do marido e 4 filhos), dar conta das responsabilidades no trabalho e ainda tomar conta dos pais que estavam precisando de cuidados especiais.
A especialista avalia que a pessoa que se preocupa com tantas coisas externas que acaba deixando a própria pessoalidade – incluindo hobbies, atividades de lazer e relações interpessoais – em segundo plano, acaba tendo problemas sérios de qualidade de vida.
“As mulheres da geração sanduíche precisam do mesmo cuidado e proteção que elas oferecem aos filhos e aos pais idosos. É essencial que elas se percebam enquanto pessoas que estão sujeitas a todas essas pressões e recebam apoio dos familiares, companheiros, companheiras e amigos”, defende.
A CEO da Senior Concierge elenca ações práticas que podem ser tomadas pelas ensanduichadas:
- Conversar: depois de reconhecer o problema, é preciso estar aberto para a experiência de expô-lo para outras pessoas. Por isso, é essencial falar sobre os desafios do dia a dia até mesmo com os filhos, principalmente se eles já estiverem na fase de adolescência e começo da fase adulta, e os pais idosos. Ter uma conversa franca pode gerar empatia e trazer para a superfície todas as emoções que acabam negligenciadas no cotidiano. Se for preciso, busque ajuda profissional com um psicólogo ou psiquiatra;
- Se priorizar: é essencial que a mulher que está sofrendo com o peso de ter que cuidar dos pais e dos filhos saibam avaliar o que é realmente importante. A sensação de insuficiência é muito normal para elas, já que é comum não conseguirmos lidar com todas as exigências que a vida contemporânea nos apresenta. Nesse caso, é muito importante saber avaliar os próprios valores e se perguntar o que é realmente importante. A priorização deixa mais claro o que deve ser feito com mais urgência, o que pode esperar mais um pouco e o que deve ser descartado da sua vida, já que o tempo é o bem mais escasso que temos;
- Planeje-se: pensar a própria rotina, estabelecer horários e metas e ter uma agenda bem elaborada de atividades pode ser essencial para evitar estresses com demandas não previstas. Neste quesito, o planejamento financeiro também é superimportante, já que ele pode garantir uma velhice mais tranquila e até mesmo uma vida mais confortável para os filhos;
- Investir em autonomia: de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a autonomia está entre os principais elementos que geram felicidade para a vida de um ser humano. Ou seja, isso indica que as pessoas precisam tentar sempre buscar opções na vida que tragam a independência pessoal e da família, como a independência financeira, por exemplo.
- Investir na simplicidade: ter uma vida simples não significa renunciar qualquer tipo de bem material, mas sim aprender a viver com o que já temos. Além disso, simplicidade é conseguir ser grato com o que já conquistamos e nos cobrarmos menos de objetivos futuros;
- Ter um tempo para si: para ser uma pessoa completa e com significado é essencial respeitarmos quem somos. E parte integrante disso é termos nossa individualidade no quesito hobbies. Mais do que meros passatempos, as atividades de lazer também dão significado as nossas vidas, já que trabalhamos e temos todas essas preocupações com a família para que justamente consigamos aproveitar um momento livre para desfrutar do que nos faz bem.
- Divida as responsabilidades: é fundamental que o cuidador familiar compartilhe os cuidados dos pais idosos com os outros membros da família, para que não se sobrecarregue e possa manter a qualidade de vida.
“O que as pessoas da geração sanduíche precisam saber é que não há como ter um cuidado com os outros se não há um cuidado integral com si mesma. Portanto, é preciso pensar primeiro na própria saúde física e mental antes de pensar em ajudar quem nós gostamos tanto que são nossos filhos e pais”, finaliza Márcia Sena.
Sobre Márcia Sena
É fundadora e CEO da Senior Concierge e especialista em qualidade de vida na terceira idade. Tem MBA em Administração na Marquette University (EUA) e experiência em várias áreas da indústria farmacêutica.
Criou a Senior Concierge a partir de uma experiência pessoal de dificuldade de conciliar seu trabalho como executiva e cuidar dos pais que estão envelhecendo. Se especializou nas necessidades e desafios da terceira idade e desenvolveu serviços com foco na manutenção da autonomia de pessoas da melhor idade no seu local de convívio, oferecendo resolução de problemas de mobilidade, bem-estar, tarefas domésticas do dia a dia e segurança contra males súbitos.