A falsa perfeição da família digital e outros contos
Os momentos ínfimos, que costumam passar despercebidos ou até ficam esquecidos em algum lugar na memória, tornam-se histórias profundas no livro De Salto Alto, da escritora Renata Barrozo Baglioli. Os contos são curtos, assim como os instantes narrados. Mas a autora se utiliza dessa brevidade para tratar de temas como as diferenças no amor romântico, a angústia de ver alguém com Alzheimer, os preconceitos de classe, a misoginia silenciosa entre um casal e o dia de uma família desequilibrada que parece perfeita nas redes sociais.
Com prefácio de Gustavo Melo Czekster, autor de “O homem despedaçado” e doutor em Escrita Criativa, a obra trata de sentimentos universais por meio de uma escrita fluida e objetiva. Nos capítulos, narrados sempre em primeira pessoa, é possível encontrar um diálogo entre uma avó e uma neta marcado pelos conflitos geracionais como também as batalhas internas de um jovem gay em busca de aceitação paterna.
Não conheci meu pai. Talvez ele não seja divertido, já que eu sou uma pessoa melancólica. É provável que ele seja sisudo, daqueles pais de escola alemã que se limitam a menear as mãos para ignorar as crianças. Desta versão eu poderia ter herdado a letargia, a descompaixão. Não sei de onde vem o abatimento que sinto, quero mesmo que seja dele. Não foi da minha mãe, sempre pronta para o batente, dedicada e afetuosa, alegre como ninguém. Eu queria ser assim. (De Salto Alto, pg. 27)
Apesar da escrita identificada pelo olhar feminino, a obra é indicada para pessoas adultas interessadas nas relações humanas. “Meus contos trazem temais mais abrasivos e que abordam o cotidiano sem sutilezas, de forma direta e crua, como é a vida”, explica a autora, que trocou a carreira de advogada empresarial de quase 20 anos para focar no sonho de ser escritora em tempo integral.
Renata estreou há dois anos na literatura. Publicou três obras infantis e dois livros de contos para adultos, incluindo De Salto Alto, seu trabalho mais recente. Curiosa e inquieta por natureza, a curitibana reflete, nas suas obras, a vontade de se conectar com “crianças de todas as idades”. “Escrevo para responder a uma inquietação interna e a uma necessidade de dialogar e criar conexão com outras pessoas. Para mim, a escrita é um processo de cura de feridas e de evolução”.