O Brasil precisa falar sobre um tabu: a finitude
Por Layla Vallias
Vamos viver mais tempo na velhice do que em outras fases da nossa vida. Hoje, estamos diante do fenômeno da longevidade e devemos chegar até os 100 anos – em uma perspectiva conservadora, pois os avanços da ciência podem tornar a existência ainda mais longeva. As estatísticas apontam que vamos chegar até os 120 anos. Pela primeira vez na história, a humanidade tem mais tempo para viver; sonhar; reinventar a vida, a carreira, os relacionamentos e a própria trajetória. A chave está em desenvolver novos territórios nos quais o capital social e intelectual lapidado em décadas possa redefinir padrões de consumo e comportamento. No Brasil, estamos envelhecendo em um ritmo acelerado; em 2050 seremos o sexto país mais velho do mundo. Para se ter uma ideia, temos atualmente mais de 30 milhões de pessoas com mais de 60 anos e quase 60 milhões de brasileiros com mais de 50 anos. Mas, mesmo com a existência alongada, há um momento em que a finitude chegará. E qual é a nossa percepção sobre esse momento?
O brasileiro não gosta de falar sobre a morte. Viemos de uma cultura que enfatiza a vida e a juventude. Pensamos que o futuro está muito longe e não nos planejamos para a finitude. O medo norteia a forma como lidamos e pensamos na morte. Mas, devo ressaltar que esse é um comportamento ocidental. Em países orientais, essa relação com a finitude é mais fluida – para eles, morrer é uma etapa importante do viver. Na pesquisa Plano de Vida & Legado, entretanto, vimos que esse cenário começa a mudar no país; e, quanto mais velhos ficamos, mais natural fica abordar o assunto. Esse comportamento dos “novos” prateados mostra que eles estão quebrando um tabu e essa naturalidade para lidar com o fim da vida traz a perspectiva da importância do planejamento e do legado. Esse levantamento conduzido pela Janno apontou que sete em cada 10 entrevistados 60+ afirmaram que estão refletindo mais sobre a finitude durante a pandemia e dois em cada 10 começaram o planejamento de fim de vida durante o distanciamento social. Olho para esse movimento com muito otimismo. Vejo, inclusive, que essa “nova” geração de brasileiros maduros sempre pautou sua vida pela inovação. Foram eles que lutaram pela liberação sexual e liberdade de escolha. É muito natural que sejam eles a ressignificar a morte.
Lidar com a finitude, na minha opinião, é muito importante para a gente ter uma boa qualidade de vida; é uma forma de viver com mais presença e mais plenitude. É quase como um deixar um presente para quem a gente ama, pois significa lidar com questões não apenas emocionais, como também burocráticas. E, nesse sentido, gostaria de falar sobre os quatro pilares do legado. O que queremos deixar para nossos familiares e amigos queridos após a morte? Depois de conversar com mais de 3 mil norte-americanos, o banco Merril Lynch chegou a quatro valores. O primeiro está baseado em Valores e Lições de vida. Na prática, esses itens são transmitidos em conversas – mas, idealmente, deveríamos documentar em cartas de legado, acompanhadas de fotos, vídeos e documentos pessoais. O segundo pilar está amparado em Instruções e Desejos, um documento no qual constam os cuidados tardios ou paliativos em vida, diretivas de saúde, decisões sobre o próprio funeral e distribuição de objetos pessoais. O terceiro pilar é Patrimônio e Legado financeiro, que costuma ser descrito por meio do testamento com a definição dos beneficiários. Por último, o quarto tem por foco Posses pessoais de valor emocional, no qual estão tanto as heranças familiares, quanto os itens que vierem representar bem a pessoa.
Em suma, a transformação liderada pelos maduros, em todas as esferas da vida, está afetando a relação com a finitude. O que vimos acontecer nos últimos cinco anos, com a Revolução da Longevidade, está prestes a acontecer com a finitude. Aos poucos, novos produtos e serviços despontam associados ao Mercado da Finitude, liderado pioneiramente por startups como a Janno e movimentos como o inFINITO e o Vamos falar sobre o Luto – iniciativas que mostram que existem oportunidades de mudar diretamente a vida das pessoas ao melhorar a relação delas com o fim. A nova imagem da morte pode ser mais real, afetiva e prática, na qual o tabu cede espaço para o diálogo; a surpresa é atenuada pelo planejamento e qualquer preparação para a morte é, no fim do dia, uma celebração da vida até sua última gota.