Tecnologia e inovação no combate à violência contra a mulher
Por Julia Rugeri, Carla Silva e Vyctoria Moretti
A violência contra à mulher, intrínseca desde os primórdios da civilização, das formas mais sutis até as mais explícitas, é uma das principais violações aos direitos humanos, ainda tolerada por muitos. O Brasil, onde uma a cada três mulheres já sofreram deste fenômeno, segundo a Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), ocupa o quinto lugar no ranking mundial dos países que mais matam mulheres, ficando atrás apenas de El Salvador, Colômbia, Guatemala e Rússia.
Em um país feminicída, onde tal tipo de agressão é um dos principais temas de reportagens e noticiários, é possível entender que por ser um dos maiores problemas que a nação enfrenta deve-se, portanto, ser pesquisado, analisado e solucionado por todos os campos da educação, inclusive tecnológico.
A internet, alcançando diferentes públicos e ambientes, já funciona como meio de fazer campanha para apoiar e divulgar causas sociais como esta, mas, infelizmente, não é suficiente, embora alguns recursos tecnológicos que já estão em prática e disponíveis no mercado. Estes, garantem proteção e apoio às vítimas que vivem essa realidade e vão desde dispositivos eletrônicos, como as tornozeleiras, até aplicativos de celulares, como o “Malalaia” (que será estudado no decorrer da pesquisa) inovando e beneficiando a sociedade de forma simultânea.
No primeiro semestre de 2018, de acordo com dados do governo federal, o Ligue 180 registrou 27 feminicídios, 51 homicídios, 547 tentativas de feminicídios e 118 tentativas de homicídios. Dos relatos que chegaram, 37.396 foram de violência física e 26.527 de violência psicológica. Os agressores estão dentro das casas, no transporte público, nas ruas e nos espaços de educação e lazer, sustentados por relações sociais profundamente machistas.
Com o objetivo de fiscalizar agressores e passar mais segurança às vítimas, dispositivos foram desenvolvidos para monitorar criminosos e fazer com que as mulheres se sintam mais seguras. São alguns exemplos:
“Botão do Pânico” – Botão, que em sinal de perigo iminente de agressão, emite um alerta para que a vítima seja socorrida. Este, age inibindo agressores e encorajando mulheres a voltarem para suas atividades do dia a dia.
Segundo o Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, o dispositivo foi aplicado em Vitória no ano de 2013, durante a execução do projeto experimental a tecnologia foi acionada 23 vezes e resultou em 11 prisões em flagrante, não havendo registro de agressões concretizadas.
Tornozeleira eletrônica – Geralmente, quando mulheres são agredidas, juízes determinam uma distância mínima que deve ser mantida entre o agressor e a vítima. Com o apoio do Conselho Nacional da Justiça e dos magistrados que compõem o Fórum Nacional de Juízas e Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher, foi criado um dispositivo eletrônico que funciona como uma tornozeleira para vigiar os passos dos agressores, ter mais controle dos casos e, assim, trazer maior segurança à vítima.
Segundo reportagem do Conselho Nacional da Justiça de 7 de fevereiro de 2019, a secretaria de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro, onde o dispositivo já está sendo utilizado, tem como custo mensal de um preso R$2.500, enquanto a tornozeleira custa R$250 a unidade. Sendo assim, além de ser mais barata para o Estado, ajuda reduzir o problema de superlotação do sistema carcerário.
SOS Mulher – Concedido pelo Tribunal da Justiça de São Paulo, foi desenvolvido pela Polícia Militar um aplicativo chamado “SOS Mulher”. Através dele, é possível que as vítimas, em situação de perigo, acionem um botão e recebam rapidamente o socorro da viatura mais próxima. De acordo com dados do Governo de São Paulo, no ano de 2019 já havia setenta mil pessoas utilizando o aplicativo.
Aplicativos de apoio às vítimas
Com o intuito de aliviar o impacto causado pela violência contra a mulher, alguns aplicativos que usam a inteligência artificial foram desenvolvidos e já estão sendo utilizados. Entre eles, analisaremos alguns exemplos abaixo.
Malalaia – Desenvolvido pela arquiteta e urbanista Priscila Gama, o aplicativo tem como objetivo analisar as rotas planejadas pela usuária em seu deslocamento. Informando a localização inicial e final, o app, analisa cinco principais questões: se há policiamento fixo, edificações com porteiros ou estabelecimentos comerciais abertos, se as ruas são movimentadas, trechos com má iluminação ou decorrência de assédios ao longo da rota. Essas informações são geradas de forma colaborativa por outras usuárias. Outra função importante é a de marcar pontos da rota em que deseja ser acompanhada, e assim, quando atingir os locais marcados, a companhia virtual escolhida pela usuária será notificada. Por último, é possível acionar ajuda uma única vez para três contatos diferentes. A iniciativa tem como objetivo garantir maior liberdade as mulheres, para que essas, não tenham medo de ir e vir.
Mete a colher – A Startup “Mete a colher” funciona como uma rede colaborativa para auxiliar as vítimas de violência doméstica e leva este nome com a missão desmistificar o ditado “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher”. Usando a tecnologia, esse app possibilita conectar mulheres que precisam de ajuda para sair de um relacionamento abusivo, por exemplo, com outras que podem oferecer apoio voluntariamente. Atualmente, o aplicativo conecta 13000 usuárias em 63 cidades do Brasil e já ajudou 2000 mulheres.
NINA – Quase todas as mulheres brasileiras (97%, segundo estudo de 2019 do Instituto Locomotiva e do Instituto Patrícia Galvão) já sofreram algum tipo de assédio no transporte público e privado no Brasil. Pensando nisso, foi fundado o NINA, uma tecnologia para mapear e denunciar os casos de assédio que acontecem no transporte público. São mais de 1 milhão de usuários, mais de 1300 denúncias em seis meses e 10% dos casos convertidos em inquérito policial.
Empresas e pequenas iniciativas
Além das tecnologias e inovações totalmente voltadas para o combate da violência contra a mulher, algumas empresas estão tomando a iniciativa de colaborar com esta causa através de funcionalidades dentro de seus próprios aplicativos. Temos como exemplo, as empresas Rappi e Magazine Luiza.
Rappi – O aplicativo de entregas Rappi, junto com o projeto Justiceira, criado pela Gabriela Manssur, especialista no combate à violência contra a mulher, lançou um botão de socorro, chamado “SOS Justiceiras”. Esse tem como finalidade, fazer com que mulheres em situação de vulnerabilidade possam acioná-lo para receber apoio de profissionais. Ao acionar o botão, a vítima é direcionada para um formulário simples de triagem para que os profissionais entendam a situação e, em seguida, uma das voluntárias do projeto entrará em contato e conversará com a mulher.
Magazine Luiza – A empresa, ao concluir que 99% das mulheres brasileiras não sabiam como denunciar os crimes, no intuito de ajudar e, aproveitando o Dia internacional da Mulher no ano de 2019, anunciou um novo botão em seu aplicativo. Este tem como finalidade, denunciar casos de violência contra a mulher. Ao clicar, a mulher terá a opção de ligar para o 180 Central de Atendimento à Mulher, também para o 190 em casos de emergência ou abrir um chat para o atendimento via Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
Evidências nos mostram que, a Lei, por si só, não resolve o problema. Tornozeleiras eletrônicas, botões de pânico, SOS mulher e até aplicativos celulares, podem contribuir com a diminuição de mortes de mulheres inocentes por todo o Brasil. Portanto, a tecnologia e inovação, sendo utilizadas com sabedoria e propósito, tem o poder de salvar a realidade e a vida de muitas mulheres que sofrem constantemente com o fenômeno da violência.