Violência contra a mulher: palavra da vítima tem relevância especial na jurisprudência

Para a advogada de família Tatiana Moreira Naumann, mulheres não podem ser desencorajadas a denunciar abusos

O caso da blogueira Mariana Ferrer tomou conta dos trend topics das redes sociais brasileiras esta semana. Virou conversa de bar. Foi tema de discussões entre profissionais do Direito. Chegou ao Conselho Nacional de Justiça. Suscitou até mesmo a apresentação de um projeto de lei, por um grupo de deputadas federais, que cria o crime de “violência institucional” praticada por agente público.

A história ganhou relevância após o vazamento de trechos do vídeo de instrução – que deveria ser sigiloso – em que o advogado de defesa procura desqualificar a vítima, que acusa o agressor de tê-la estuprado. Segundo explica a advogada Tatiana Moreira Naumann, especialista em Direito de Família e no atendimento de casos de violência contra a mulher, cenas como essas não são raras nos tribunais. “É clássico desqualificar a vítima em casos de violência contra a mulher. Mas a própria Lei Maria da Penha determina que o juiz deve interferir quando as perguntas da defesa se tornam agressivas ou com juízos de valor”, explica.

Devido à grande repercussão do vídeo, e pelo fato de o réu neste caso ter sido absolvido por falta de provas, há um receio de que as mulheres sejam desencorajadas a denunciar casos de violência. “Qual incentivo a mulher vai ter ao ver o vídeo do caso Mariana Ferrer?”, questiona Tatiana. Por isso, segundo ela, é preciso reforçar que o entendimento do Superior Tribunal de Justiça é de que a palavra da vítima tem especial relevância. “Quase como numa reparação histórica, predomina o entendimento no STJ de que, em crimes praticados no âmbito doméstico, a palavra da vítima possui especial relevância, uma vez que, em sua maioria, tais crimes são praticados de modo clandestino, não podendo a palavra da vítima ser desconsiderada, notadamente quando corroborada por outros elementos probatórios”.

Consentimento

Outro entendimento importante, que precisa ser disseminado na sociedade, é o do consentimento. “Até mesmo as mulheres possuem dúvidas quanto a isso e muitas deixam de denunciar, mesmo que se sintam violentadas”, avalia Tatiana. Segundo ela, o consentimento para o sexo, para o beijo, para o toque íntimo tem que ser válido. “Se uma pessoa está embriagada, por exemplo, ela não tem como optar”.

Além disso, a definição que configura o crime do estupro não se encerra somente na conjunção carnal. Desde 2009, estupro passou a ser considerado o ato de constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso.  Outras mudanças foram a troca da palavra violência por conduta e a remoção por completo dos termos “mulher honesta” e “virgem”. 

Tais avanços, relativamente recentes, ainda não estão consolidados na sociedade, na opinião de Tatiana Naumann.  Ela relembra o caso da socialite Ângela Diniz, assassinada com quatro tiros numa casa na Praia dos Ossos, em Búzios, em 1976, pelo então namorado Doca Street, réu confesso. Após três anos de julgamento, o acusado passou de réu a vítima, por meio da tese de legítima defesa da honra, utilizada pelos seus advogados. “Em 44 anos, o que mudou?”, indaga a advogada.

Perfil da fonte:

Tatiana Moreira Naumann é advogada especializada em Direito de Família e atua em casos de violência contra a mulher. É sócia do escritório Albuquerque Melo. Possui pós-graduação em Direito Processual Civil e em Direito Público e Privado.

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